Lei Paulista 15.600/2014: Primeiras Impressões

Lei Paulista nº 15.600/2014: Primeiras Impressões

Dia 12 de dezembro de 2014 foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo a Lei nº 15.600, que acrescentou um parágrafo único ao art. 19 da Lei nº 11.331/2002 – a lei estadual paulista que dispõe sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Segundo o novel comando legal, o artigo 19 da Lei nº 11.331, de 26 de dezembro de 2002, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:

Artigo 19 – ……….
Parágrafo único – São considerados emolumentos, e compõe o custo total dos serviços notariais e de registro, além das parcelas previstas neste artigo, a parcela dos valores tributários incidentes, instituídos pela lei do município da sede da serventia, por força de Lei Complementar Federal ou Estadual.

Após conturbado processo legislativo, por comando próprio, a lei entrou em vigor na data de sua publicação (art. 2º), e já se encontra produzindo seus regulares efeitos jurídicos.

Com efeito, a origem da norma está no Projeto de Lei nº 722, de 2010, de autoria do deputado estadual Roque Barbieri. Há de destacar que, após o trâmite regimental, foi o Projeto aprovado na Sessão de 19 de dezembro de 2.012, pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP). Ocorre, porém, que, através da Mensagem A- nº005/2013, o Governador do Estado, Geraldo Alckimin, usando da faculdade que lhe confere o artigo 28, § 1º, combinado com o artigo 47, inciso VI, da Constituição do Estado de São Paulo, vetou totalmente o Projeto. Posteriormente, em Sessão Extraordinária, ocorrida em 03.12.2014, a ALESP derrubou o veto do Chefe do Executivo Estadual, dando origem à Lei nº 15.600/2014.

Com a nova previsão legislativa, passam a ser considerados emolumentos, os valores tributários instituídos, por lei, pelo município no qual se encontra sediada a serventia. Apesar do dispositivo, aparentemente, em um primeiro momento, generalizar e considerar como parte integrante dos emolumentos qualquer exação tributária instituída pelos municípios, ao final do parágrafo, acaba por limitar tal enquadramento aos valores tributários municipais incidentes nos serviços notariais e de registros que decorrem de previsão em Lei Complementar Federal ou Estadual. Em síntese, parece evidente que, à luz do ordenamento positivo atual, com arrimo na competência tributária fixada na Constituição da República, a inovação concentra-se em considerar como parcela dos emolumentos os valores cobrados pelos municípios a título de ISSQN – o imposto sobre serviços de qualquer natureza.

A mens legis é muito clara. Dado ao já conhecido imbróglio que envolve a incidência do ISSQN sobre os serviços notariais e registrais,1 a intenção foi amenizar o custo da atividade, desonerando o gerenciamento administrativo-financeiro das serventias extrajudiciais. Buscou-se, pois, de forma equilibrada, descentralizar o recolhimento a ser efetivado a título de tributação municipal, distribuindo o custo do serviço para cada ato praticado, em si considerado.

Em termos tributários, a nova lei estadual, ainda que de forma reflexa, acaba por permitir a translação do encargo econômico-financeiro para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo. Vale dizer, o impacto econômico-financeiro do imposto sobre serviços (ISSQN), incidente sobre os atos notariais e de registros, foi repassado para os usuários desses serviços extrajudiciais. Passam, assim, a ser claras as presenças do contribuinte de direito (titular da delegação) e do contribuinte de fato (utentes dos serviços).

Como já mencionado, a inovação legislativa, de início, parece benéfica aos notários e registradores, em razão da desoneração do titular da delegação, contribuindo sobremaneira para o gerenciamento administrativo-financeiro da serventia extrajudicial ao compatibilizar a tabela de emolumentos dos serviços notariais e de registro com o recolhimento dos tributos municipais incidentes sobre a prestação desses serviços.

Ao mesmo tempo, sob o ponto de vista do ente tributante – in casu, os Municípios –, não haverá prejuízo algum, eis que não haverá qualquer redução de receitas tributárias. Em realidade, manter-se-á íntegra a arrecadação do imposto sobre serviços, com caráter predominantemente fiscal, concentrada em uma fonte arrecadadora extremamente confiável, decorrente da própria sistemática de organização e funcionamento dos serviços notariais e de registros.

Nesse sentido, aliás, é a mensagem de justificativa que acompanhou o Projeto de Lei 722, de 2010: “O presente projeto de lei visa suprir a lacuna da Lei Estadual nº 11.331/02, que dispõe sobre os emolumentos dos serviços notariais e de registro, compatibilizando a tabela de emolumentos dos serviços notariais e de registro, cuja fixação é da competência estadual, com o recolhimento dos tributos incidentes instituídos por força de lei complementar federal ou estadual, de competência dos municípios. Tal medida será de extrema relevância para o aumento da arrecadação dos municípios, para fazerem frente às suas políticas públicas de investimentos sociais, considerando-se que os emolumentos notariais e de registro são fixados por lei, portanto, de fácil arrecadação, fiscalização e controle pela municipalidade”.

Diga-se, ainda, que a nova lei estadual harmoniza-se com a Lei Federal nº 8.935/1994, verdadeira lei orgânica da atividade notarial e registral, notadamente no que se refere ao dever atribuído aos notários e registradores (art. 30, XI) de fiscalizar o recolhimento e arrecadação dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar.

Nessa ordem de ideias, vale lembrar que a novidade legislativa está em, “apenas”, considerar a exação tributária municipal como parte integrante dos valores a serem pagos pelos usuários a título de “emolumentos”. Recorde-se, a propósito, que a natureza jurídica dos emolumentos, segundo o consolidado entendimento do Supremo Tribunal Federal, 2 é tributária, especificamente na espécie taxa. Cuida-se, em realidade, de uma taxa especial, sui generis, pois sua estrutura é bifronte, consistente, de um lado, na contraprestação por um serviço público específico e divisível (a própria prestação do serviços notariais e registrais), e, na outra face, na remuneração do poder de polícia exercido, conforme comando constitucional, pelo Poder Judiciário Estadual.

Também nessa visão vestibular, a lei em testilha não apresenta qualquer vício legislativo, seja de ordem formal ou material, vez que o procedimento legislativo perseguiu os caminhos constitucionalmente traçados, assim como a matéria por ela veiculada – repita-se, “emolumentos” – tem seu âmbito de competência na esfera estadual, em virtude de procuração dada pela Lei Federal nº 10.169/2000.

De acordo com o § 2º do art. 236 da Constituição Federal: “Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”. A Lei Federal regulamentadora do cânon constitucional (Lei nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000), por sua vez, ao delimitar apenas as normas gerais sobre o tema, atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal o dever de fixar os emolumentos para os serviços notariais e de registros, desde que obedecendo suas diretrizes genéricas.
Dentre as diretrizes genéricas previstas na Lei nº 10.169/200 está o parágrafo único do art. 1º, que sentencia: “O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados”. Diante disso, nada mais razoável do que o aumento do custo efetivo oriundo das exações tributárias municipais incidentes sobre os atos praticados pelas serventias extrajudiciais passem a integrar o valor dos emolumentos.

Por tudo o que se expôs, ao menos em teoria, a nova previsão legislativa parece estar em harmonia com o sistema jurídico. Porém, como nem tudo são flores, vislumbra-se muitas questões tormentosas de ordem prática tormentosas, que merecem máxima acuidade para sua implantação não malferir grandes conquistas dos serviços notariais e de registros.

Não se pode esquecer que o ISSQN é um tributo de competência municipal. Nesse embalo, naturalmente, de acordo com cada lei municipal há uma forma específica de cobrança deste imposto sobre os serviços notariais e de registros.

Dentre as variações possíveis, as de maior repercussão certamente são aquelas atinentes ao critério quantitativo da regra matriz de incidência tributárias. Veja-se, a propósito, que alguns municípios possuem alíquotas de 3%, outros de 5%. Sem falar na situação em que determinados municípios estabelecem diferentes alíquotas para cada especialidade (por exemplo, 3% para o RCPN, e 5% para o Tabelionato de Notas). De outra sorte, algumas prefeituras sequer adotam o sistema de alíquotas variáveis e cobram do titular da delegação um valor fixo por mês.

Em síntese, há uma heterogeneidade latente que, pela nova lei, passará a integrar a tabela de emolumentos no Estado de São Paulo.

Nessa nova ordem, não é difícil imaginar que, no final das contas, cada município ficará com um preço sobre os atos a serem praticados pela serventia extrajudicial. Ou ainda, caso haja variação de alíquota por especialidade dentro do mesmo município, conforme acima indicado, corre-se o risco, por exemplo, de uma procuração ficar mais barata no RCPN do que em um Tabelionato de Notas. E a pergunta que fica é uma só: quais seriam os efeitos disso para as serventias extrajudiciais?

Enfim, concluindo esta análise preambular, parece-nos extremamente salutar o advento da nova lei estadual. Todavia, alguns obstáculos de ordem prática certamente aparecerão e deverão ser tratados com a cautela necessária que o assunto exige, para que o sistema de prestação dos serviços notariais e de registro não seja prejudicado.

Referências

1. Com a devida licença, reportamos o amigo leitor a artigo de nossa autoria disponível em http://www.notariado.org.br/blog/?link=visualizaArtigo&cod=325, no qual foi esmiuçada toda polêmica sobre o ISS incidente sobre serviços extrajudiciais.

2. STF – ADI 1.378-MC/ES, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.05.1997.

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