Artigo – É possível a realização de escritura, e consequente registro, de atos anuláveis? – Parte 2 – Arthur Del Guércio Neto e João Francisco Massoneto Junior

Artigo – É possível a realização de escritura, e consequente registro, de atos anuláveis? – Parte 2 – Arthur Del Guércio Neto e João Francisco Massoneto Junior

imgEm artigo anterior, defendemos a possibilidade de se realizar e registrar determinados atos anuláveis, trazendo, inclusive, jurisprudência nesse sentido. Em complemento ao estudo, gostaríamos de trazer aos leitores as informações de como é tratado esse tema em Portugal. Para isso, entrevistamos a Professora Dra. Mônica Jardim, que assim explicou:

“Os notários podem e devem realizar escrituras de quaisquer negócios anuláveis, pois tal não é causa de recusa. Mas, devem advertir as partes e fazer constar tal advertência da escritura.

Por sua vez, tendo em conta que a anulabilidade pode ser sanada e que mesmo que tal não ocorra nem sequer é do conhecimento oficioso pelos tribunais, pois só pode ser invocada pelos interessados e em determinado prazo, os registradores devem de fazer o registro como definitivo. Se o negócio vier a ser anulado o registro será cancelado se, ao invés, a anulabilidade não for arguida no prazo legal, o registro já está feito.

Existem, no entanto, umas hipóteses de anulabilidade em que os notários celebram a escritura (fazendo a advertência às partes e fazendo-a constar da escritura), mas os registradores têm de fazer o registo apenas como provisório por natureza. A saber: em decorrência da anulabilidade do negócio jurídico por falta de consentimento de terceiro ou de autorização judicial, antes de sanada a anulabilidade ou de caducado o direito de arguí-la, tal como no caso de ineficácia do negócio jurídico, for celebrado por gestor ou por procurador sem poderes suficientes, antes da ratificação.”

Com essa informação, notamos que em Portugal, assim como no Brasil, é perfeitamente possível a lavratura de atos anuláveis, e, já entrando no tema deste artigo, a publicidade sobre a anulabilidade nos atos praticados (escritura e registro) também é algo praticado naquele país, sendo este o posicionamento que defenderemos, a seguir.

Ao lavrar ou registrar um ato anulável surge a seguinte dúvida: É necessário dar publicidade à anulabilidade existente no negócio jurídico? Esse tema tem dividido opiniões.

A grande maioria dos notários e registradores entende ser prudente e necessário, ao lavrar um ato anulável, mencionar essa circunstância no corpo da escritura, com que concordamos plenamente, pelos motivos a seguir elencados: 1º)– para que fique comprovado que o Tabelião orientou as partes envolvidas a respeito desse fato,  advertindo-as de todas as possibilidades futuras; 2º)– para que as partes envolvidas possam declarar que, cientes da possibilidade de anulabilidade, assumem total responsabilidade pelo negócio jurídico que está sendo realizado; 3º)– para dar publicidade desse fato, que é de extrema importância, fazendo com que terceiros de boa fé, que eventualmente se interessem em adquirir o imóvel futuramente, estejam cientes dessa possibilidade de anulação; e, 4º) para respaldar o registrador de imóveis, que poderá se valer da informação contida no título aquisitivo (escritura), para dar a publicidade necessária do fato na matrícula.

Quando o assunto é a necessidade de se dar publicidade à anulabilidade na matrícula do imóvel, as opiniões estão bem divididas, no entanto, percebemos que muitos notários e registradores mudaram de opinião recentemente, passando a entender, assim como nós, que a publicidade na matrícula, tal como na escritura, é importantíssima. Essa mudança de entendimento pode ser comprovada pela pesquisa que realizamos, a qual ficará à disposição dos leitores ao final deste artigo.

Defendemos que não só é necessária a publicidade na escritura e na matrícula, como deveria ser obrigatória. Essa publicidade é muito importante, pois será por meio dela que a sociedade terá conhecimento desse risco, dessa possível mácula existente sobre aquele imóvel, possibilitando, assim, que qualquer interessado possa tomar conhecimento do risco, enquanto ele existir. A notícia de modo expresso, tanto na escritura, como na matrícula, além de ser uma importante ferramenta de prevenção de litígios, protegendo terceiros de boa fé que estejam interessados em adquirir o imóvel no futuro, também protege os notários e registradores, que poderão comprovar que alertaram as partes e a sociedade sobre o fato, cumprindo, assim, sua importante função de dar publicidade, assessorar juridicamente as partes, prevenir litígios e promover ampla segurança jurídica.

Não comungamos do entendimento de que muita informação na matrícula do imóvel pode “poluir” a mesma, ou, ainda, causar confusão. Muito pelo contrário; quanto mais informações relevantes, melhor. O que é necessário, a nosso ver, é que tais informações sejam verdadeiras, importantes e precisas. Em nossa visão, se bem redigidas, não há como causar confusão.

Dar publicidade à verdade dos fatos não é nenhum absurdo, muito pelo contrário, é dever dos notários e registradores. Afinal, essa é uma das mais importantes missões atribuídas por lei aos notários e registradores, ou seja, a de dar publicidade, garantindo-se a máxima segurança jurídica para toda sociedade.

Defendemos que, no registro de imóveis, a situação não deve ser diferente, há de se seguir a mesma lógica. Desse modo, também entendemos que pode, e deve, o registrador, ao efetuar o registro do título, inserir na matrícula o fato da anulabilidade existente, logicamente, se estiver expressa tal informação no título (escritura), uma vez que, se deixar de constar na matrícula, o registrador estaria omitindo uma informação importantíssima contida no título, colocando em risco terceiros de boa fé. Entendemos que os notários e registradores precisam se adequar às reais e atuais necessidades da sociedade, para serem cada vez mais úteis, e, para isso, é necessário evoluir, se desapegando de certos formalismos, de certas regras ultrapassadas, que em nada contribuem, só os distanciam cada vez mais da realidade atual do mercado, e dos anseios da sociedade.

Sobre a publicidade na matrícula, chamamos a atenção do leitor para a seguinte reflexão: Qual seria o prejuízo em dar publicidade na matrícula sobre o risco de anulabilidade? Alguns vão dizer que pode passar a dificultar o tráfego imobiliário, retirando o bem de circulação, ou que a publicidade desse fato prejudicará o mercado imobiliário.

Discordamos dessa afirmação, pois a lavratura e registro de ato anulável não são a regra, mas exceção, portanto, isto em nada prejudicará o mercado imobiliário, muito pelo contrário, irá contribuir, pois irá trazer um alerta à sociedade sobre o risco de ser anulada a transação anterior, gerando, ainda, a possibilidade para os interessados na aquisição do imóvel, de: 1º)- buscarem mais detalhes sobre essa mácula; 2º)- descobrir se o vício ainda existe, ou, foi sanado, mas ainda não levaram essa informação para a matrícula; 3º)- caso ainda exista, qual seria a proporção do mesmo, e, se ainda assim, o negócio é viável; e, 4º)- em determinados casos, poderia o interessado exigir com antecedência do proprietário, que se responsabilize em sanar o vício dentro de um prazo pré-estabelecido, retendo parte do pagamento para ser realizado após o cancelamento da possibilidade de anulação na matrícula.

Além disso, se pensarmos em prevenção de litígio, atribuição dada aos notários e registradores, veremos que a inclusão da informação sobre a possibilidade de anulação do ato, tanto na escritura, quanto na matrícula, poderá evitar possíveis problemas futuros entre terceiros de boa fé, ou seja, entre aquele que comprou sem saber, portanto, de boa fé, e aquele que conseguiu anular posteriormente, demonstrando que foi lesado, que também era de boa fé. Casos como estes poderão ser evitados, pois o que comprar não poderá alegar desconhecimento, tendo em vista estar de modo expresso, tanto no título aquisitivo (escritura), como na matrícula do imóvel.

Doutrinadores conhecidos e respeitados do Direito Notarial e Registral também mudaram a opinião a respeito do tema, a exemplo do mestre Leonardo Brandelli, registrador de imóveis no Estado de São Paulo e autor de importantes obras de Direito Notarial e Registral, que nos informou que atualmente entende pela possibilidade de lavrar e registrar determinados atos anuláveis, e acredita que o melhor caminho é constar o fato tanto na escritura, como na matrícula, e, nesta última, a publicidade pode ser feita no próprio registro. O professor Brandelli explicou que seu novo posicionamento será inserido na próxima atualização de sua obra.

Uma última análise, que também divide opiniões na atividade notarial e registral, é sobre o melhor meio para se fazer constar essa notícia na matrícula, se no próprio ato do registro, ou se por meio de uma averbação realizada na sequência.

Os que defendem ser no registro, pensam que isso garante às partes uma economia, o que resulta em não ferir o princípio da economia para as partes. Alguns adeptos a essa corrente também alegam que a averbação não poderia ser de ofício, por falta de previsão legal e em obediência ao princípio da rogação.

Já os que defendem ser por meio de averbação, alegam que não há que se falar em rogação, pois a informação consta no título, e o ato da averbação traria mais destaque a essa questão, o que contribuiria para a segurança jurídica da sociedade. Também defendem que o rol das averbações é exemplificativo, portanto, não há que se falar em previsão legal expressa para tal averbação. Alguns também defendem o fato de que no registro não há como inserir tal informação, uma vez que nele só são inseridas as informações sobre transferência de titularidade.

De nossa parte, entendemos que ambos os argumentos são consideráveis, mas, apesar de achar que independentemente da forma que será levada essa notícia para a matrícula, o que importa é que esteja nela inserida, nos simpatizamos mais com a ideia de já constar no registro, uma vez entendermos que, na dúvida, melhor priorizar a forma mais econômica para as partes, também contribuirá para o aspecto visual da matrícula.

Sobre a forma de se levar para a matrícula que não há mais a possibilidade de se anular o ato, todos entendem que seria possível uma averbação, realizada pelo registrador, a pedido da parte interessada, desde que apresentados os documentos que comprovem essa situação.

Por fim, com o intuito de contribuir para o aprimoramento dos atos praticados pelos notários e registradores, entendemos que, para a boa técnica notarial e registral, os notários poderiam inserir no texto da escritura que as partes requerem e autorizam o Oficial de Registro de Imóveis competente a praticar todos os atos necessários para dar publicidade à possibilidade de anulabilidade contida no ato, assim como averbar os fatos que comprovem que o ato não é mais passível de anulação, quando da apresentação dos documentos que comprovem a real situação.

Assim entendemos, respeitando as opiniões contrárias.

Arthur Del Guércio Neto – Tabelião de Notas e Protestos em Itaquaquecetuba. Especialista em Direito Notarial e Registral. Especialista em Formação de Professores para a Educação Superior Jurídica. Escritor e Autor de Livros. Palestrante e Professor em diversas instituições, tratando de temas voltados ao Direito Notarial e Registral. Coordenador do Blog do DG (www.blogdodg.com.br)

João Francisco Massoneto Junior – Especializando em Direito Notarial e Registral pela USP – Ribeirão Preto (2019). Especialista em Direito Notarial e Registral, com formação para o magistério superior pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2012). Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR (2010). Bacharel em Direito pela Universidade Paulista de Ribeirão Preto-SP (2005). Preposto Substituto do Tabelião de Notas e Protesto de Monte Azul Paulista-SP, onde iniciou suas atividades em 1999.

Pensando em conhecermos melhor a realidade do tema em nosso país, e também fortalecer a doutrina notarial e registral, realizamos uma pesquisa com vários notários e registradores, de diversos Estados. A pesquisa foi realizada por quesitos, mas o que se buscou foi, primeiramente, mostrar quantos entendem não ser possível, em hipótese alguma, lavrar e registrar atos anuláveis, e quantos entendem que, em alguns casos, depois de observados vários aspectos, seria possível lavrar e registrar um ato anulável; e, posteriormente, entre os que entendem ser possível, mostrar quais entendem que não se deve dar publicidade ao fato da anulabilidade, e os que entendem que deva dar publicidade ao fato só na escritura, ou, além de constar na escritura, também se deva constar na matrícula.

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