?Cartório? ? A desjudicialização mora aqui

 
Diante de um número avassalador de processos em trâmite pelo Judiciário pátrio, a desjudicialização mostra-se como rota obrigatória.

Não há para onde fugir! Ou aplicamos todo o nosso esforço e conhecimento para enxugar a máquina, ou estaremos reféns do caos (se é que já não estamos).

Há algum tempo essa bandeira vem sendo levantada por ilustres autoridades, mas estou cada vez mais convencido de que tal empenho revela-se como dever de todos.

Como bem afirmou o douto Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, José Renato Nalini, no artigo denominado “TODOS SÃO CHAMADOS”, “…quando o Brasil enfrenta uma judicialização doentia – mais de 100 milhões de processos em curso pelos quase 100 Tribunais – todos os brasileiros são chamados a refletir sobre essa patologia”[1].

Sem sombra de dúvidas, na promoção da desjudicialização, o extrajudicial mostra-se com salutar aliado. Aliás, essa cooperação já não é de agora, e tem, ao longo dos anos, mostrado sua importância para o Estado e para a sociedade.

Os tabeliães e os registradores são, nos termos da lei[2], profissionais do direito, dotados de fé pública, e, como se sabe, ingressam na atividade através de criterioso concurso público, que compreende entre as suas fases, prova objetiva de seleção, prova escrita e prática, prova oral, e exame de títulos. Além disso, se submetem aos Princípios da Administração Pública, previstos no artigo 37 da Constituição Federal, de modo que em sua atividade, são pautados pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Os notários e os oficiais de registro prestam excelente serviço à sociedade, tendo ainda muito a oferecer, e tudo isso sob a fiscalização do Poder Judiciário.

Reconhecendo o escorreito profissionalismo dos profissionais em mote, e ciente da estreita afinidade entre as atividades judiciais e extrajudiciais, com ampla possibilidade de conjugação de tarefas, em benefício do serviço público, andou bem o legislador pátrio quando da edição da Lei nº 11.441 de 4 de janeiro de 2007, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Com isso, já chegamos a números expressivos de procedimentos do tipo, realizados nos cartórios de Notas de todo o país.

Ainda no âmbito do Tabelionato de Notas, e sob as mesmas considerações, destaco o Provimento nº 31/2013 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que por proposta do Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo, CNB-SP, regulamentou a formação extrajudicial de cartas de sentença pelos tabeliães de notas, de modo que o Tabelião pode, a pedido da parte interessada, formar cartas de sentença das decisões judiciais, dentre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, nos moldes da regulamentação do correspondente serviço judicial.

Outra situação interessante é a possibilidade do registro da união estável declarada em escritura pública, no Registro Civil das Pessoas Naturais[3].

É de se compreender que a lavratura da escritura de união estável, por si só não é apta a demonstrar a real situação da convivência ou não, mas, evidentemente, a lavratura da escritura pelo Tabelião de Notas levada efetivamente a registro no Registro Civil das Pessoas Naturais, demonstra importante caráter público da relação, de maneira que não é mais necessário que os conviventes batam à porta do Judiciário, para que tal relação reste comprovada.

O Registro Civil possui ainda outras situações provenientes da desjudicialização, como por exemplo, a Lei Federal nº 11.790, de 02 de outubro de 2008, que alterou o artigo 46 da Lei de Registros Públicos, para permitir o registro da declaração de nascimento fora do prazo legal diretamente nas serventias extrajudiciais, independentemente de intervenção judicial; e, ainda a título de exemplo, a desnecessidade de que todos os procedimentos de habilitação para o casamento sejam remetidos ao Juiz Corregedor.

O Código Civil era no sentido de que a habilitação para o casamento feita perante o Oficial do Registro Civil, deveria, após audiência do Ministério Público, ser homologada pelo juiz.

No entanto, a Lei nº 12.133, de 17 de dezembro de 2009 deu nova redação ao diploma privado, para determinar que a habilitação para o casamento seja feita pessoalmente perante o Oficial do Registro Civil, e que o procedimento seja submetido ao juiz somente nos casos em que haja impugnação do oficial, do Ministério Público ou de terceiro (parágrafo único – art. 1.526).

Não se ignora que o Juiz Corregedor exerce função administrativa, e não atividade jurisdicional, mas, como se extrai do Projeto de Lei nº 6672/2006, apresentado pela Secretaria de Reforma do Judiciário – SRJ, a medida “busca a desoneração da estrutura do Judiciário, permitindo que a realização do respectivo ato ocorra diretamente nos cartórios de registro civil, sem a necessidade de intervenção judicial”, e “tem por objetivo desburocratizar e simplificar o procedimento, exigindo a intervenção judicial somente quando o caso requerer”[4].

Recente conquista, digna de menção, é fruto da Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012, que adicionou o parágrafo único ao artigo 1º da Lei nº 9.492/1997, para incluir entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.

Através da alteração legislativa, a tendência é de que os índices de inadimplência diminuam, e por consequência maiores recursos sejam arrecadados, e a Justiça seja mais célere, e tudo isso em decorrência da cooperação dos Tabeliães de Protestos de Títulos.

No campo do registro imobiliário, a sociedade conquista mais uma benesse; trata-se da denominada “usucapião extrajudicial”, a ser processada perante o Oficial de Registro de Imóveis da situação do imóvel, e que é prevista no novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015), que entrará em vigor em 18 de março de 2016.

O novo Código de Processo Civil alterou a Lei de Registros Públicos, acrescendo o art. 216-A, que tem a seguinte redação:

“Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:

I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;

II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;

III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;

IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel. (….)

Do que se pode observar, a usucapião extrajudicial contribuirá de forma expressiva para a consolidação de uma situação que, até o presente momento, só é possível, em regra, através da via judicial, por meio de um processo bastante moroso.

Tratando sobre o tema da desjudicialização de processos de usucapião, o Nobre Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Marcelo Guimarães Rodrigues[5], em artigo publicado ainda no ano de 2012, apontou que só no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, havia 17,5 mil processos de usucapião em andamento.

O Ínclito Desembargador revelou ainda que segundo levantamento feito pelo ilustre colega João Pedro Lamana Paiva, Oficial de Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre – RS, “o procedimento realizado nos cartórios duraria, no máximo, 180 dias”.

Com efeito, o procedimento administrativo trará grande facilidade e benefício à sociedade, seja sob a ótica dos usuários do serviço, seja sob a ótica do Poder Judiciário, sem perder, contudo, o seu caráter de eficiência e qualidade manifesta.

Garantida estará a economia de tempo, bem como a financeira, duas coisas escassas em nossos dias.

Por último, grande é a torcida para que finalmente passe a ser efetivo o Provimento 17/2013 da Egrégia Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal da Justiça de São Paulo, que autoriza os notários e registradores, independentemente da especialidade da Serventia Extrajudicial, a realizar mediação e conciliação nas Serventias de que são titulares, desde que o objeto verse apenas sobre direitos patrimoniais disponíveis.

Atualmente o provimento encontra-se suspenso através de uma liminar, confirmada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, cujo requerimento foi formulado pelo Conselho Federal da OAB.

Minha esperança é a de que o imbróglio seja sensatamente resolvido, de maneira que o anseio pelo bem estar social esteja acima de toda e qualquer discussão de cunho meramente classista, quando, e se, assim o for.

Se, estava certo Thomas Hobbes ao perpetuar o argumento de que “o Homem é o lobo do Homem”[6] (e de fato estava), é de se sustentar que o conflito sempre existirá, e, consequentemente todos aqueles ligados, direta ou indiretamente, a entraves, terão sempre respeitável serviço a prestar.

Mas em que pese a infinidade de interesses resistidos, e a argumentação hobbesiana, na qualidade de cristão, trago no coração as palavras de Jesus, ao afirmar que “bem-aventurados são os pacificadores”[7], leia-se: aqueles que promovem paz; e por assim ser, aplaudo a intenção da mediação e conciliação nas Serventias Extrajudiciais.

 Concluo com o argumento de que restam comprovados os benefícios que a desjudicialização efetivamente traz para sociedade, e que os notários e registradores, por serem qualificados profissionais que mantêm estreita afinidade com as atividades judiciais, são instrumentos eficientes e pertinentes em tal cooperação, e por assim ser, não se mostra insólita a afirmação de que “a desjudicialização mora aqui”. 
 


[1] Disponível em: https://renatonalini.wordpress.com/2015/03/27/todos-sao-chamados/. Acesso em: 31 de mar. 2015.

[2] Artigo 3º – Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994

 [3] Conselho Nacional de Justiça – CNJ – PROVIMENTO Nº 37 – Dispõe sobre o registro de união estável, no Livro "E", por Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.

[4] Disponível em:  http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=316451 e neste link

 Acessos em: 31 de mar. 2015.

[5] Revista Consultor Jurídico. Disponível em:

 http://www.conjur.com.br/2012-ago-22/marcelo-rodrigues-desjudicializar-processos-usucapiao-trara-eficiencia. Acesso em: 31 de mar. 2015.

 [6] HOBBES, Thomas. Leviatã. Ed. Martin Claret, São Paulo, 2006.

[7] Bíblia Sagrada – Mateus 5:9.

 

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