Donatário(s) Casado(s) em comunhão universal

 DOAÇÃO – DONATÁRIO(S) CASADO(S) NO REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS – DIREITO DE ACRESCER AUTOMÁTICO?

 

É frequente no Tabelionato de Notas a lavratura de escritura de doação de bens imóveis outorgada pelos pais em benefício do(s) filho(s).

Em que pese a doação, na grande maioria das vezes, seja apenas em favor do(s) filho(s), por ser um ato de liberalidade, não há impedimento que ocorra também em favor dos respectivos cônjuges, operando-se assim a doação ao casal.

O Código Civil, no capítulo em que trata de tal contrato, dispõe em seu artigo 551, e parágrafo único:

Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

Em decorrência da previsão legal do parágrafo único, discussões tem surgido acerca do acréscimo automático do bem em favor do cônjuge supérstite.

Recentemente deparei com uma escritura de inventário e partilha, em que os bens inventariados (a saber: dois imóveis com valor acima de 30 salários mínimos) haviam sido adquiridos pelo “de cujus”, casado no regime da comunhão universal de bens, antes da vigência da Lei 6.515/77, por doação feita por seus ascendentes (pai e mãe).

Na escritura de doação, lavrada aos 30.11.1990 (trinta de novembro de mil novecentos e noventa), constava, ao iniciar o campo “qualificação”, que compareciam como outorgado donatário o único filho do casal, a saber: “JOSÉ FULANO DE TAL” E SUA MULHER “MARIA FULANO DE TAL”.

Havia ainda no instrumento a seguinte declaração: “…os doadores estão certos e ajustados em doar, como de fato doado têm a seu filho JOSÉ FULANO DE TAL E SUA MULHER MARIA FULANO DE TAL…”; e para concluir, tanto o filho dos doadores, como a respectiva esposa (nora dos doadores) assinaram o ato.

Se a benesse se desse apenas em favor do filho, a qualificação ideal seria: “…como de fato doado têm a seu filho JOSÉ FULANO DE TAL casado com MARIA FULANO DE TAL” – perceba que a expressão “e sua mulher” seria alterada adequadamente pela expressão “CASADO COM”.

Diante do falecimento de “JOSÉ FULANO DE TAL”, elaborado o requerimento para averbação do óbito do varão e a consolidação da propriedade em favor da viúva, o Oficial de Registro de Imóveis emitiu nota devolutiva sob o argumento de que a doação fora elaborada apenas ao falecido.

Diante do caso concreto surgiram as pertinentes perguntas: havia mesmo necessidade de se lavrar aquele inventário?  Seria mesmo a doação feita em beneficio apenas do filho, ou também da nora?

Se a doação foi feita apenas (e tão somente) ao filho dos doadores, não se discute sobre a necessidade da lavratura do inventário, pois de fato é devida. Por outro lado, se a doação ocorreu em benefício de ambos (filhos e noras), a averbação do óbito, e a atribuição da propriedade ao cônjuge sobrevivente revela-se como medida ideal.

O que fazer então no caso concreto?

Sob o ponto de vista do notário, entendo, respeitando sempre os entendimentos contrários, que a averbação desejada teria que ser levada a efeito. Tenho que o ato não deveria ser recusado por constar que a doação foi feita ao filho “e sua esposa”, cumprindo reiterar ainda, que, ao final a escritura foi assinada pelo filho e nora dos doadores, portanto: ambos os donatários aceitaram a doação.

É sabido que quando a doação é feita única e exclusivamente ao filho, independente do regime de bens que este é casado, não há que se falar na assinatura do cônjuge, sendo que a assinatura da esposa só se justificaria se a doação fosse ao casal, o que de fato aconteceu.

O oficial do caso referido sustentou que a escritura de doação trazia dúvidas em sua redação sobre qual ou quais seriam os efetivos donatários, e sendo assim, em caso de dúvida, segundo a interpretação do respeitável registrador, deveria prevalecer a doação feita apenas ao filho do doador.

 Estaria criada, no âmbito da doação a filho(s) casado(s), quanto a supostas dúvidas com relação a redação da escritura, a “in dubio pro filius”?

Estaria o registrador imobiliário licenciado a fazer tal interpretação?

Tratando sobre o direito de acrescer e o artigo 551 do Código Civil, o sábio registrador imobiliário João Pedro Lamana Paiva, argumenta que “se o regime for o da comunhão universal, ainda que a doação seja feita apenas para um dos consortes, o direito de acrescer subsiste na morte do donatário, ao cônjuge sobrevivo”[1].

Portanto, aplicando o pensamento do brioso autor, ao caso prático apontado, ainda que a doação tenha sido feita somente aos filhos, o direito de acrescer seria estendido à esposa tão somente por força do regime de bens e do artigo 551 do Código Civil.

Esboçando entendimento divergente, o então Meritíssimo Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, Walter Rocha Barone, sustentou que “na medida em que a doação foi feita apenas em favor de um dos cônjuges, não se aplica a regra do parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, não havendo que se falar, pois, em direito de acrescer em favor do cônjuge supérstite. Inviável, portanto, a averbação pretendida, dado que não caracterizada a consolidação da propriedade em favor da ora recorrente, sendo certo que o quinhão do cônjuge falecido, que, na verdade, lhe foi transmitido a título de meação em virtude do regime de comunhão de bens do casal, deverá ser regularmente partilhado entre os sucessores do “de cujus””[2].

Reiterando incessantemente o respeito pelas posições contrárias, parece-me que, no caso da família “FULANO DE TAL” afastada está por completo qualquer tipo de dúvida, não por força do regime de bens dos donatários ou por causa do artigo 551 e parágrafo único, mas sim pelo fato de que a escritura fora assinada pelo filho e nora dos doadores – ambos donatários.

Não posso ignorar, todavia, a preocupação do registrador imobiliário em cumprir com sua atividade zelando em todo tempo pela segurança e eficácia dos atos jurídicos, e por assim ser, talvez sob a ótica do registrador a solução não seria tão simplesmente alcançada, como por mim aqui proposta.

Por todo exposto, e considerando a maturidade que tem sido alcançada dia após dia pelo campo notarial e registral, estou certo de que a escritura de doação, alhures mencionada, lavrada aos 30.11.1990 (trinta de novembro de mil novecentos e noventa), se em beneficio exclusivo do filho, hoje seria redigida com o destaque de que a doação é feita “EXCLUSIVAMENTE AO FILHO DOS DOADORES, NÃO SENDO ESTENDIDA AO CÔNJUGE, AFASTANDO-SE, PORTANTO O DIREITO DE ACRESCER PREVISTO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 551 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO VIGENTE.”

Está com a razão o nobre José Hildor Leal[3], Tabelião de Notas no Estado do Rio Grande do Sul, quando ensina que “cabe ao tabelião de notas, como bom conselheiro e agente da paz social, consultar o doador acerca de sua real vontade, e se a intenção for beneficiar o casal, solicitar a presença de ambos ao ato, como donatários, restando indubitável o direito de acrescer, qualquer que seja o regime patrimonial. Se, por outro lado, a liberalidade deva alcançar somente um dos cônjuges, não custa ao tabelião consignar na escritura que fica afastado o direito de acrescer previsto no artigo 551 do Código Civil brasileiro”.

Por derradeiro cumpre mencionar a necessidade de uma redação técnica, polida e esclarecedora (como na verdade já ocorre – é bom que se diga), tanto na lavratura das escrituras, como nos textos constantes das certidões de matrículas, a fim de que seja afastado todo e qualquer tipo de dúvida, seja por parte da geração presente, bem como das futuras gerações, restando preservada a necessária segurança dos atos  jurídicos.



[1] Direito de Acrescer: Art. 551 do Código Civil – João Pedro Lamana Paiva – Disponível em: http://registrodeimoveis1zona.com.br/?p=283. Acesso em: 04 de jun. 2015.            

                     

[2] CGJSP – PROCESSO: 2008/89290 CGJSP – PROCESSOLOCALIDADE: São Paulo – DATA JULGAMENTO: 30/11/2009 DATA DJ: 12/01/2010 – Relator: Walter Rocha Barone – Disponível em: http://www.kollemata.com.br/kollemata/integra.php?id=20560. Acesso em: 04 de jun. 2015.                                   

[3] DOAÇÃO E DIREITO DE ACRESCER ENTRE CÔNJUGES – José Hildor Leal – Disponível em:                        http://www.notariado.org.br/blog/?link=visualizaArtigo&cod=202. Acesso em: 04 de jun. 2015.                                   

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  1. Surie disse:

    Boa Noite,
    Peço a licença para aproveitar o espaço, após a leitura deste excelente artigo e abordar um assunto diverso sobre o qual a sua opinião será sempre de grande valia e aprendizado.
    O tema em questão diz respeito ao Novo CPC e a revogação da lei dos atos de concentração na matrícula de imóveis. No meu entender a referida lei significou grande avanço e muito facilitou os negócios jurídicos, fiquei estarrecida com a dita revogação. De acordo com os seu entendimento o registro de uma penhora não será mais obrigatório e não terá efeito erga omnes, gerando presunção absoluta de boa fé de um adquirente? A prova de fato será invertida e as certidões indispensáveis?
    Muito Obrigada.

  2. Frank Wendel Chossani disse:

    Prezada Surie – boa noite!
    O prolongado tempo ainda permite uma resposta?
    Faço votos para que sim.
    A MP 656 de 7 de outubro de 2014 foi convertida em lei – Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, que trata, entre outros assuntos, da concentração dos atos na matrícula do imóvel.
    A concentração, tem como um dos seus objetivos, tutelar os direitos de terceiros de boa-fé, estabelecendo assim que todos os atos jurídicos sejam constantes da matrícula. Isso faz com que, como bem observado por você, haja grande avanço e facilidade nos negócios jurídicos, aliado ainda a uma maior segurança jurídica em tais relações.
    Quanto a penhora, o novo CPC (lei 13.105/15), em seu artigo 844 (que corresponde ao § 4º do art. 659 do CPC de 1973) dispõe que “para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, cabe ao exequente providenciar a averbação do arresto ou da penhora no registro competente, mediante apresentação de cópia do auto ou do termo, independentemente de mandado judicial”.
    É de se compreender que a penhora não se constitui pela informação constante na matrícula do imóvel, premissa da qual se pode concluir que o ingresso da mesma no Registro de Imóveis não é obrigatória. Por outro lado, caso o exequente, queira realmente ver a sua pretensão satisfeita (que é a lógica do sistema), deverá providenciar o ingresso da informação da penhora no Registro de Imóveis competente, pois assim estará consagrada a presunção absoluta de conhecimento da situação por terceiros, sendo portanto oponível erga omnes – é dizer, em termos simples, que um eventual comprador poderá sofrer as consequências advindas de uma solução final, e conscientemente assume tamanho risco, não se admitindo prova em contrário. Por outro lado, caso o exequente não promova o ato na matrícula do imóvel, o adquirente poderá ser considerado, em regra, de boa-fé, uma vez que a matrícula encontrava-se “limpa” – mas até mesmo isso pode demandar longa discussão judicial. Como a questão ainda é um pouco nova e controvertida, continua sendo sensato o comprador que exigir a apresentação das certidões de distribuições, mesmo que lhe seja facultada a dispensa. Prezada Surie – obrigado pela pergunta, e pela gentileza de sempre – e vamos acompanhar as cenas dos próximos capítulos. Que o Senhor Deus te abençoe!

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